A Desburocratização Necessária: O Alcance dos Acordos Internacionais no Reconhecimento de Diplomas Estrangeiros
- Marco Túlio Elias Alves

- 27 de nov.
- 7 min de leitura
Como o Apostilamento de Haia, a legalização consular e tratados bilaterais influenciam no reconhecimento de títulos

Por Marco Túlio Elias Alves(1)
Você fez seu mestrado ou doutorado fora do Brasil e quer que seu diploma tenha validade por aqui? Então, é bom entender como funciona o processo de reconhecimento de títulos estrangeiros — e por que a burocracia ainda é um grande obstáculo para muitos profissionais qualificados.
O tema ganhou novo fôlego com a Resolução CNE/CES nº 2/2024, que define as regras para o reconhecimento de diplomas de pós-graduação stricto sensu (como Mestrado e Doutorado) obtidos no exterior. Mas, como sempre, a norma veio acompanhada de interpretações ambíguas — e uma dúvida jurídica importante precisa ser respondida com urgência.
O que está em Jogo?
Para ter validade no Brasil, seu diploma precisa ser reconhecido por uma universidade nacional que ofereça curso equivalente. Até aí, tudo certo. O problema começa quando a resolução exige que a cópia do diploma esteja “devidamente registrada pela instituição responsável pela diplomação, de acordo com a legislação vigente no país de origem e em observância a eventuais acordos internacionais aplicáveis.”
Essa última parte — “observância a eventuais acordos internacionais aplicáveis” — abre margem para dúvidas: quais acordos se aplicam? O que é considerado suficiente para comprovar a autenticidade do diploma?
Três caminhos para habilitar o diploma estrangeiro de Pós-Graduação Stricto Sensu, para reconhecimento no Brasil
A resposta está nos mecanismos previstos pelo Direito Internacional e pela legislação brasileira. Veja os três principais:
Apostilamento de Haia:Para países que fazem parte da Convenção de Haia, basta apostilar o documento. O Brasil aderiu à Convenção em 2016 (Decreto nº 8.660/2016), e esse método é amplamente aceito.
Legalização Consular:Se o país onde você estudou não é signatário da Convenção, o caminho é um pouco mais longo. É necessário passar pela legalização no consulado brasileiro, tradução juramentada e registro em cartório.
Tratados Bilaterais que Eliminam Formalidades:E aqui está o ponto crucial: existem tratados entre o Brasil e outros países que eliminam a necessidade de qualquer formalidade adicional. Um bom exemplo é o acordo com a França (Decreto nº 3.598/2000), que dispensa totalmente a legalização ou apostilamento.
O que isso significa na prática?
Na prática, o que isso significa? Vamos imaginar três situações comuns. Se o diploma foi emitido por uma universidade da França, por exemplo, ele não precisa ser apostilado nem legalizado para ser reconhecido no Brasil. Isso porque existe um tratado bilateral entre países que dispensa qualquer formalidade adicional. Mesmo assim, infelizmente, algumas universidades brasileiras ainda exigem apostilamento ou legalização, por desconhecimento ou interpretação equivocada da norma, e contrário à lei e ao princípio da desburocratização.
Já no caso de um diploma emitido na Suíça, o cenário é diferente. Como tanto o Brasil quanto a Suíça são signatários da Convenção de Haia, é necessário fazer o apostilamento do documento no país de origem. Além disso, caso o diploma esteja redigido em outro idioma, ele deverá ser traduzido por um tradutor juramentado no Brasil.
Agora, se o diploma veio de Angola, o processo exige ainda mais atenção. Como o país não é signatário da Convenção de Haia e não possui tratado bilateral com o Brasil, o reconhecimento exige a chamada legalização consular: o documento deve ser autenticado em repartição consular brasileira em Angola, depois traduzido por tradutor juramentado e, por fim, registrado em cartório no Brasil para ter validade legal.
Por que precisa mudar?
É preciso lembrar que o direito à educação é um princípio consagrado na Constituição Federal, que em seu artigo 205 estabelece que a educação é um direito de todos e dever do Estado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96) reforça esse compromisso ao estabelecer, no artigo 48, que os diplomas de cursos de pós-graduação stricto sensu expedidos por universidades estrangeiras poderão ser reconhecidos por universidades públicas brasileiras que possuam curso de mesmo nível e área equivalente. A norma, portanto, estimula o reconhecimento, para promover o intercâmbio acadêmico e o avanço científico.
O que não se pode admitir é que exigências formais e interpretações excessivamente restritivas acabem funcionando como verdadeiras barreiras ao acesso de profissionais qualificados ao mercado brasileiro. Exigir a legalização de documentos que já são dispensados por tratados internacionais em vigor, como no caso do acordo Brasil-França, é um erro jurídico e um desrespeito ao princípio da eficiência administrativa e ao papel social da educação.
Desburocratizar, nesse contexto, não é flexibilizar regras sem critério, mas sim respeitar os compromissos internacionais do Brasil e garantir que a burocracia nunca se sobreponha ao direito legítimo de acesso à educação e ao reconhecimento profissional.
O que é o processo de reconhecimento?
O processo de reconhecimento é o procedimento que permite que um título de pós-graduação stricto sensu obtido no exterior (Mestrado ou Doutorado) passe a ter validade plena no Brasil, produzindo os mesmos efeitos de um diploma nacional.
Ele difere da revalidação, que se aplica a diplomas de graduação. As regras atuais para o reconhecimento de títulos de pós-graduação stricto sensu estão previstas na Resolução CNE/CES nº 2/2024.
Para dar início ao pedido, o interessado deve protocolar a solicitação em uma instituição brasileira que ofereça um curso equivalente na mesma área e no mesmo nível.
Principais etapas do processo de reconhecimento
De acordo com a Resolução CNE/CES nº 2/2024, a análise envolve quatro grandes blocos de verificação:
Análise da Regularidade: Verifica se a instituição estrangeira e o curso funcionam de forma legal e regular.
Avaliação de Mérito: Examina o desempenho acadêmico do interessado e o aproveitamento que ele teve durante o curso.
Análise Organizacional: Observa como o curso é estruturado e organizado academicamente.
Desempenho da Instituição: Avalia a qualidade geral da instituição que ofereceu o curso, especialmente sua atuação em pesquisa, considerando indicadores reconhecidos no meio acadêmico internacional (quando aplicável).
A universidade que faz o reconhecimento deve considerar pontos essenciais do curso estrangeiro, como o reconhecimento no país de origem, a forma como a pesquisa é organizada, os métodos de avaliação, o processo de orientação e o resultado da defesa da tese ou dissertação. Também deve considerar diplomas de cursos com características curriculares e de pesquisa próximas à área, ainda que não sejam idênticos aos programas stricto sensu que ela mesma oferece.
Na minha opinião, quando o processo de reconhecimento de um diploma estrangeiro é concluído, é fundamental que a universidade responsável respeite a nomenclatura do título original. Preservar essa identidade acadêmica não é somente uma questão de forma — é uma questão de dignidade e fidelidade ao percurso formativo do requerente.
A instituição deve registrar esse reconhecimento por meio de uma apostila no próprio diploma (não confundir com apostila de Haia), reconhecendo formalmente sua equivalência ao título de Mestrado ou Doutorado no Brasil. E quando houver diferenças na terminologia, deve-se indicar claramente a correspondência entre o título original e a nomenclatura brasileira, sempre com o cuidado de manter a integridade acadêmica do documento.
A Constituição e a LDB nos orientam com clareza: a educação deve ser inclusiva, acessível e promotora da cidadania. Submeter pessoas em situação de vulnerabilidade a exigências formais impossíveis de cumprir é, na prática, negar-lhes o acesso ao direito mais básico: o de reconstruir suas vidas com dignidade.
Preciso Reconhecer?
A necessidade de reconhecimento para títulos de pós-graduação stricto sensu (Mestrado e Doutorado) obtidos no exterior deve ser vista, primariamente, sob a lente das exigências formais e legais. O processo, regido pela Resolução CNE/CES nº 2/2024, visa garantir que o diploma estrangeiro produza os mesmos efeitos de um diploma nacional, concedendo-lhe validade plena no Brasil. Na prática, se o objetivo do titular é cumprir requisitos em concursos públicos, progressão de carreira em instituições governamentais, ou participar de licitações que exijam titulação oficial validada pelo sistema brasileiro, o reconhecimento se torna indispensável. Entretanto, para a maioria das aplicações práticas no mercado privado ou para o avanço do conhecimento pessoal, a mera obtenção do título estrangeiro de prestígio já pode ser suficiente, diminuindo a importância do reconhecimento para estes casos específicos.
É fundamental compreender que o reconhecimento é um procedimento administrativo rigoroso que avalia a regularidade, legalidade, mérito acadêmico e as condições de organização do curso. A decisão final sobre a equivalência do título depende da avaliação da universidade brasileira que oferece curso equivalente, e não somente da reputação internacional da instituição de origem. Por essa razão, a falta de reconhecimento ou revalidação não deve ser interpretada como um indicativo de que a qualidade do curso seja baixa. É sabido que, na prática, o processo já recusou diplomas de universidades de renome mundial, como Harvard, ao mesmo tempo que aceitou títulos de instituições que mais tarde descobriu-se estarem irregulares, demonstrando no mínimo um certo descrédito de algumas IES no Brasil.
Dessa forma, a escolha de um curso no exterior deve ser pautada, primeiramente, pela qualidade da jornada, do aprendizado e da compatibilidade com os objetivos profissionais e pessoais. Se, contudo, o reconhecimento for uma meta necessária para avançar na carreira pública ou em setores regulamentados, o requerente deve se atentar à complexidade da Resolução CNE/CES nº 2/2024 e dos documentos exigidos, para não perder tempo e dinheiro.

(1) Marco Túlio Elias Alves é vice-presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB — Subseção Aparecida de Goiânia) 2022/2024 e 2025/2027. Doutor em Direito (Ph.D. in Legal Management) na Swiss School of Business and Research/CH. Mestre em Direito Internacional (Legal Studies Emphasis in International Law) pela Miami University of Science and Technology/USA. Advogado. Além disso, possui licenciatura em História pelo Centro Universitário ETEP e bacharelado em Ciências Contábeis. Especializou-se em Docência do Ensino Superior pela Universidade Anhanguera, Direito e Processo Civil, Ciência Política e LLM em Direito Empresarial pela Faculdade UNIBF, Direito Previdenciário e Advocacia Consultiva pela Faculdade Legale. É membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Autor e coordenador de livros.





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