O direito ao sigilo dos dados bancários e fiscais, eminentemente de caráter individual, não é absoluto nem indisponível. Se o suspeito permite o acesso aos seus dados fiscais e bancários, não há ilegalidade na requisição e acesso do Ministério Público a informações diretamente à Receita Federal.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça denegou ordem de Habeas Corpus impetrado por suspeito de integrar esquema de desvios de recursos públicos da Empresa Municipal de Urbanização de Rio Branco (Emurb), no Acre.
O caso foi resolvido por maioria de votos, prevalecendo a divergência da ministra Laurita Vaz, seguida pelos ministros Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro e Antonio Saldanha Palheiro. Ficou vencido o relator, ministro Sebastião Reis Júnior.
O paciente foi denunciado pelo MP com base em documentos obtidos junto ao Fisco requisitados diretamente pelo órgão acusatório, que se valeu de um documento em que ele renunciava ao seu sigilo fiscal. Para a defesa, o documento não teria qualquer validade jurídica.
O Tribunal de Justiça do Acre negou ilegalidade das provas ao aplicar as teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal no caso do compartilhamento de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em investigação criminal. Em 2019, a corte definiu pela constitucionalidade da medida.
Distinção do paradigma A defesa propôs um distinguishing. Aduziu que, no caso julgado pelo STF, o compartilhamento de dados do Coaf ocorreu de ofício, quando o órgão da Receita Federal identificou a possível ocorrência do crime e enviou as informações ao órgão acusador.
Assim, defendeu que o MP não tem poder para requisitar diretamente ao Fisco informações fiscais sigilosas de investigado, ainda que para fins penais, sem autorização judicial. Apontou ainda que, em posse da autorização do investigado, o órgão pediu e recebeu um verdadeiro dossiê fiscal.
Relator, o ministro Sebastião Reis Júnior concordou e votou pela concessão da ordem para reconhecer a ilicitude do compartilhamento. Ele analisou os votos proferidos no julgamento do STF e apontou que o caso em que o MP se dirige diretamente ao Fisco para pedir informações não foi devidamente enfrentado pelo Supremo — e quando houve menção a isso, foi no sentido de sua ilegalidade.
“A única conclusão a que se pode chegar é que a requisição de dados fiscais pelo Ministério Público, sem autorização judicial, permanece ilegal, até porque a tese fixada se limita ao compartilhamento, de ofício, pela Receita Federal, de dados relacionados a supostos ilícitos tributários ou previdenciários, após devido procedimento administrativo fiscal”, disse.
Autorização basta A informação de que o investigado autorizou o acesso às suas informações sigilosas foi o que motivou a divergência vencedora da ministra Laurita Vaz. Ela consta dos autos, foi trazida na impetração e reafirmada na sustentação oral da tribuna.
“A propósito, em situações assemelhadas, esta corte vem reconhecendo a inexistência de ilegalidade se o acesso a informações protegidas por sigilo foi consentido”, disse a ministra.
A questão da autorização, no entanto, não serviu de fundamento para a decisão das instâncias ordinárias. Foi o que ressaltou o ministro Sebastião Reis Júnior, quando disse que não há como justificar a denegação da ordem por fundamento novo que não constou nem na decisão do juiz da causa nem da proferida pelo Tribunal de Justiça que a manteve.
“A tese aqui em discussão se concentra na possibilidade, ou não, de o Ministério Público pedir acesso a informações que a Receita Federal detém sobre a situação fiscal do paciente. Essa é a questão em debate”, disse, vencido.
HC 565.737
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