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História - Uma vez levei um soco do meu avô na igreja

Via Marco Alves

Meu avô morreu faz muito tempo. E eu poderia encher folhas e folhas com as histórias dele.

Algumas que me contaram e outras que vi com meus próprios olhos. Sempre cheias de aventuras, heroísmo e vitórias pelo uso da força.

Ele se chamava José. O apelido era Coroné.

Não porque ele tinha posses. Não tinha nada, e apesar de trabalhador morreu pobre. Aos filhos deixou apenas seu legado.

O chamavam assim, porque ele era meio autoritário. Gostava de mandar e todos tinham que obedecer.

Sei que hoje isso parece um absurdo, mas para a geração dele seria estranho se fosse diferente.

Me contaram uma vez que ele invadiu um bar na cidade de Goiás, montado num cavalo. No arreio uma espingarda e na cintura dois revólveres. Parece surreal pra quem lê esse texto em 2022. Mas em meados dos anos 50/60, o país ainda vivia um pequeno faroeste, respingado pelas transferências de gado entre cidades, tocando a boiada a cavalo, e pela exploração de minérios.

Não ter arma era um convite a assaltos e possível morte.

E pelo que contam, foi necessário seis policiais para tirar ele do tal bar. Como eu disse, as histórias são cheias de vitórias pelo uso da força e ele contava isso com muito orgulho.

Bom, feita essa introdução do meu avô, vou contar quando ele me bateu na igreja.

Isso aconteceu em 1994. Algumas coisas me marcaram esse ano.

Morreu Airton Sena, Brasil ganhou a Copa do Mundo, chegou o plano real com moeda nacional equiparada ao dólar e meu avô me bateu na frente de todos os fiéis da igreja. Eu tinha 11 anos.

Não vou dizer que não mereci. Mas vou insistir que foi desproporcional.

Como eu disse, tinha 11 anos e meu irmão 9. Começamos a discutir na igreja e o motivo não me lembro. Acho que ninguém lembra, mas meu avô, envergonhado com aquele embaraço entre irmãos, pegou o chicote na carroça e avançou sobre nós.

Achei que ia levar uma chicotada. Mas o chicote era uma espécie de ameaça, para cessar qualquer que fosse a reação. Era pra deixar as vítimas em estado de choque. Para a surra, usou as mãos e aos socos colocou um ponto final na discussão entre os irmãos.

Eu já tinha apanhado da minha mãe. Mas era aquela surra de chinelo ou cinto, na bunda ou nas pernas. Nunca tinha levado um soco na vida. Soco mesmo, aquele de mão fechada e tudo.

O primeiro golpe foi o melhor. Graças a Deus pelo primeiro soco.

Com ele eu já fiquei tonto e tudo escureceu. Quase nem vi os outros socos.

Nos dias de hoje provavelmente ele seria preso. Mas em 1994 ninguém teve coragem de apartar. As histórias dele eram lendárias e todos tinham convicção de que dizer qualquer coisa resultaria em outras vítimas. Meu avô era meio que imparável, bastante ignorante e muito forte.

Apanhamos aos socos, na igreja, na frente de todos e tão logo acabou o show de horrores o culto continuou. Foi como se nada tivesse acontecido.